Laços Capítulo Três

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Capítulo Três

 

Carly estava no seu quarto, ouvindo o CD Havoc and Bright Lights, de Alanis Morissette, enquanto corrigia atividades. Ela parou para observar Sirius nadar no aquário a seu lado. Quase uma semana que Lucy tinha ido embora. Ela tinha ligado de Santiago, dizendo que era tudo lindo e que estavam bem. As irmãs se falaram pelo Twitter e pelo Facebook, mas Carly não queria atrapalhar a lua-de-mel da sua irmã, portanto não ficava importunando-a; apenas respondia as mensagens que Lucy mandava. Chegando ao Rio, a mais nova ligou de novo para dizer que estava em casa e bem.

Ela olhou para o porta-retratos ao seu lado, na escrivaninha — ela e sua irmã, sorrindo. Sentia tanta falta de Lucy. Aquele quarto e a casa ficaram tão vazios sem ela. Mas Carly esperava o dia em que ficaria sozinha, desde que Lucy mudara-se para Vitória da Conquista para cursar Moda, na Brasilartes. Só não imaginou que seria tão rápido e doloroso.

O CD de Alanis terminou e Carly abriu uma pasta no seu notebook. Ela tinha feito um vídeo, com algumas fotos, e Hiding my heart, de Adele, como música de fundo. As fotografias eram de Carly e Lucy, juntas, separadas, com a mãe, em vários lugares diferentes... Carly não se lembrava do dia em que Lucy nasceu, nem de sua mãe grávida, porque era muito pequena; mas as irmãs sempre foram muito amigas e todos achavam que eram gêmeas.

Carly lembrou-se de quando sua irmã passou no teste para Brasilartes. A escola de artes, famosa no país e reconhecida internacionalmente, possuía filiais nas cinco regiões e era muito cara. Carly sabia do desejo da irmã de fazer Moda, e sua mãe apoiaria isso, mas adiou, com a desculpa de que Lucy deveria terminar a escola, primeiro. Sua prima, Anamary, porém, incentivou Lucy a fazer o teste e ofereceu-se para pagar a mensalidade. No entanto, Lucy trabalhava para Miranda Roy, na Grife Wonderful Woman. A famosa estilista soube do talento de Lucy como estilista e conseguiu uma bolsa para ela. Em Conquista, ela trabalharia no ateliê, com a própria Miranda, portanto haveria chance de ela ganhar um pouco mais. Lucy dedicou-se e formou-se, dois anos depois, como a primeira da classe.

Foi na Brasilartes que Lucy conheceu Tiago, através do namorado — Marcos — de uma amiga dela — Anna. Ele fazia Cinema e Teatro; sua família era de Luís Eduardo Magalhães, donos da rede de lojas Empório MimoSweet e produtores de soja. Os dois tinham objetivos em comum: morar no Rio de Janeiro, ser bem-sucedidos em suas carreiras e viajar o mundo. Além disso, eram apaixonados por séries de TV, livros e filmes, principalmente os de Alfred Hitchcock.

Carly lembrava-se de quando Lucy ligou e disse:

Sis, acho que estou apaixonada — e a irmã sabia que ela estava sorrindo.

— Já imagino por quem — falou Carly, sorrindo.

Carly sabia que os dois eram amigos, mas ficou preocupada por saber que ele era muito rico. Desconfiava das verdadeiras intenções de Tiago e não foram poucas vezes que pediu à irmã para ter cuidado. Os tios fizeram coro, mas as atitudes de Tiago passaram confiança à família da moça. Ele foi até a casa dela, nas férias, pedir autorização aos tios e à irmã da garota, para namorá-la, e levou Lucy para conhecer a família dele. Com seis meses de namoro, Lucy disse a Carly e aos tios que Tiago queria casar.

Quando Lucy terminou o Curso de Moda, no dia seguinte à formatura, Tiago fez o pedido oficial. E para quem dizia que nunca se casaria, a irmã de Carly aceitou de pronto. A mais velha tentou dissuadir a caçula da ideia de casar aos vinte anos, mas ela sabia que Lucy estava confiante e Tiago era um bom rapaz, apesar da família complicada que tinha. Mas quem tem uma família simples?

No fim, Carly percebeu que só estava com medo de ficar longe de Lucy, já que ela e Tiago pretendiam morar no Rio. Ele foi convidado para trabalhar na Brasilartes carioca, por causa do seu ótimo trabalho na escola de Vitória da Conquista. Havia também um novo projeto do Happiness Channel, um canal de TV a cabo, para o qual ele foi convidado. Miranda Roy queria Lucy no seu escritório carioca, como uma de suas estilistas.

Oito meses de preparativos e Lucy e Tiago casaram-se, com uma festa no jardim da casa dos Ferreira, em Luís Eduardo Magalhães. Agora Carly estava sozinha, no quarto que dividira com a irmã, nos últimos cinco anos. Quando sua mãe morreu, as duas mudaram-se para casa de baixo, onde seus tios moravam. Sua mãe tinha ido embora. Agora Lucy...

 

I wish I could lay down beside you

When the day is done

And wake up to your face against the morning sun

But like everything I've ever known

You'll disappear one day

So I'll spend my whole life hiding my heart away

I can’t spend my whole life hiding my heart away...[i]

***

 

André estava trabalhando, em sua sala, no Empório MimoSweet, e se sentia completamente entediado. Há horas, fazia e refazia aquelas contas e sempre davam errado. Chegara a conclusão de que ou não sabia matemática ou os números não batiam. Apesar de ter passado na média na faculdade de Administração, ele sabia matemática. O fato é que o pai estava fazendo vista grossa para as retiradas de Liadan. Isso poderia arruinar a empresa.

André levantou-se, afrouxou a gravata e olhou pela janela. O céu estava cinza-grafite, o que significava uma tempestade a caminho. Olhou o celular: 16:45. Voltou a se sentar e apertou um botão do telefone.

— Dora, meu pai tá aí?

Já foi, senhor.

— Ok… Pode ir também.

Obrigada, Sr. André.

Era muito chato ter que trabalhar até àquela hora, no dia de sábado. Desligou o computador, pegou o paletó e saiu do escritório. Ao chegar ao térreo, o celular tocou. Era Mário, um ex-colega de escola, convidando-o para uma festa. André recusou. As festas de Mário eram sempre over. A única vez em que André aceitou, arrependeu-se e saiu, à francesa, meia hora depois.

Enquanto dirigia seu BMW X3, André estava ouvindo Como os nossos pais, na voz de Elis Regina, e lembrou-se de Carly — ela gostava daquela canção. Localizou o número na sua lista de contatos do iPhone, através do computador de bordo, e fez a chamada.

Sem saber que horas eram, Carly acordou com o som de Skyfall, de Adele — era seu celular tocando. Ela pegou o aparelho, ainda com os olhos fechados, e atendeu.

— Alô?

Carly, é o André — ela escutou a voz forte, do outro lado da linha.

— André? — Carly sentou-se na cama, esfregando os olhos com a mão desocupada. — Tudo bem com Lucy e Tiago?

Tudo. Lu não te ligou?

— Ligou. Mas é que... tu ligando, eu... — houve um silêncio. — Então?

— Ah, bom, eu... só... queria saber se está bem...

— mentiu ela, dobrando os joelhos para perto do peito e olhou para cama de Lucy a seu lado.

— De verdade?

me chamando de mentirosa? — Carly percebeu a rispidez na própria voz.

— Eu ligo pra saber como está, se precisa conversar... e já fica na defensiva — a voz de André soou aborrecida.

— Quem está na defensiva? — questionou Carly. — Se eu disse que bem é porque estou.

— Impossível falar contigo — falou André, chateado e desligou.

Carly olhou para tela do celular. Tinha sido grossa sem motivo e arrependeu-se. Retornou a ligação e esperou... Chamou, chamou...

A mais de seiscentos quilômetros dali, André entrou no Condomínio Jardim Paraíso. Como alguém poderia ser tão irritante quanto Carly? O celular dele tocou e ele viu que era o número dela. Deixou tocar até sua mensagem gravada soar: Aqui é o André. Não posso atender no momento. Deixe seu recado. Se for importante, eu retorno.

— Desculpa — ele ouviu a voz de Carly. — Eu péssima, tá bom?

André pegou o celular do suporte, depois de parar na frente da casa.

— Desliga, que eu retorno — ele ligou de novo e Carly atendeu, falando:

me sentindo sozinha, completamente perdida e chorando desde domingo, tá bom? — ele pôde ouvir o suspiro dela.

— Melhor agora? — perguntou.

— É,melhor. Thank you. And sorry again[ii].

You’re welcome[iii]. Imaginei que estivesse precisando falar.

And you?[iv] — perguntou ela.

— I’m fine[v] — disse ele, tentando soar displicente.

Who’s lying now?[vi]

— Ok, ok — André sorriu. — É estranho pensar que Tiago não vai estar em casa de quinze em quinze dias, nem nos feriados…

— É estranho como a gente se apega às pessoas e elas simplesmente se vão.

— É.

— Estava ouvindo “Hiding My Heart”, da Adele.

— Não faz isso, não — falou André, chocado. — Essa música é muito depressiva. Houve um funk.

— É aí que vou entrar em depressão mesmo.

Os dois riram e André lembrou-se da música de Sandra de Sá.

— “Eu não aqui pra sofrer” — cantou ele. — “Vou sentir saudade pra quê?” — continuaram os dois. — “Quero ser feliz. Bye, bye, tristeza, não precisa voltar...”[vii]

Eles ficaram em silêncio e André entreouviu uma conversa de Carly com a tia. Então, ela voltou a falar:

— Tenho que desligar. Vou me arrumar para ir à missa.

— Ah, — disse André e percebeu desamparo na própria voz. — It’s great[viii]. Não fica em casa chorando. Qualquer coisa que precisar, liga. See ya[ix]!

Bye — falou Carly e desligou.

André ficou olhando para a tela do seu celular, cujo protetor de tela era uma foto do casamento de Tiago — ele e Tiago abraçavam Carly e Lucy, pela cintura. Os quatro sorriam e André lembrava-se do toque suave das mãos de Carly sobre as suas. E ele podia sentir o cheiro dos cabelos dela. Seja lá o que ela usara no cabelo, naquele dia, tinha cheiro de morango. André se pegou sorrindo e balançou a cabeça. Saiu do carro, acionou a trava e entrou em casa.


 



[i] Eu queria poder deitar ao seu lado/Quando o dia acabar/E acordar com seu rosto virado para o sol da manhã/Mas como tudo que eu conheci/Você desaparecerá um dia/Então passarei minha vida toda escondendo meu coração/Eu não posso passar minha vida toda escondendo meu coração. Trecho da canção Hiding My Heart, regravada por Adele e gravada originalmente por Brandi Carlile. Escrita por Tim Hanseroth e produzida por Rodaith McDonald.

[ii] Obrigada. E desculpa de novo.

[iii] De nada.

[iv] E você?

[v] Tô bem.

[vi] Quem está mentindo agora?

[vii] Trecho da música Bye, bye, tristeza, interpretada por Sandra de Sá. Compositores: Carlos Colla e Marcos Valle.

[viii] Isso é legal.

[ix] Até mais!


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