"No fundo do mar": escuro e profundo


Quando Vanessa Nunes perguntou, no grupo, se alguém queria resenhar um conto dela "sobre estupro e morte", eu hesitei. Mas lembrando da minha terapeuta sobre não evitar o sofrimento, aceitei.
Foram vários contratempos, mas consegui ler.
O conto de Vanessa, "No fundo do mar", narra a história de Ariel, uma garota que ficou órfã aos 6 anos e foi adotada pelo seu tio Hans. Mas, como na maioria dos casos de abuso contra crianças e adolescentes, quem deveria protegê-la vendeu-a para pedófilos. Segundo fontes do Ministério da Saúde, de 2011 a 2017, 37% dos casos de abuso, o agressor tinha vínculo familiar com a criança.
Mas Ariel não é o verdadeiro nome da menina, que se chamava Alice. Essa foi uma personagem criada para ela e que acabou se tornando uma persona. Para conseguir suportar sua realidade terrível, a personalidade de Alice se partiu. Agora ela escreve em um diário para tentar registrar o que acontece e se lembrar do que acontece durante os abusos, já que  tem lapsos de memória.
Há um aspecto de thriller psicológico no conto de Nunes que me lembrou o livro de Sidney Sheldon, "Conte-me seus sonhos", e o filme "Sybill".
Eu entendi o que Vanessa quis dizer ao falar que o conto era forte. Ela faz um recorte contundente da história de uma personagem, mas que se parece com a realidade de muitas crianças, adolescentes e jovens mulheres. No período de 2011 a 2018, houve "184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes", registrados no Brasil. 
E o conto de Vanessa Nunes é apenas um da antologia Cinderelas, uma antologia a ser lançada pela Editora Sinna. Fico pensando no turbilhão de emoções que será ler todas essas histórias de mulheres vítimas de violência. Não seria ruim se No fundo do mar se tornasse um livro solo. 
Depois de ler o conto de Vanessa, nunca mais poderei olhar para A Pequena Sereia com os mesmos olhos. Mas temos que olhar para o que não é visto ou dito, a realidade que incomoda e desespera. 
A antologia chega em um momento muito importante, um grito de socorro das mulheres em uma realidade em que seu corpo é visto como propriedade de terceiros e a vítima ainda é execrada, em casos de violência. Essas moças, que pode ser qualquer uma de nós, precisa de voz. E se elas são caladas, que possamos falar por elas.

Sinopse da antologia:

Este livro não é sobre contos de fadas, embora fale sobre princesas. Não daquelas que usam tiaras, diamantes e pertencem à realeza. Infelizmente. As princesas deste livro são reais, porém nem todos as respeitam.
Nestas histórias, que podem facilmente se confundir com a realidade, elas temem o escuro, temem estar sozinhas na calada da noite, temem seus supostos príncipes encantados.
Neste livro ou neste mundo, essas princesas também são chamadas de mulheres.
A cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de VIOLÊNCIA FÍSICA.

P.S.: Quando o livro for lançado, eu atualizo o post.


FONTES:

https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/maioria-dos-casos-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-ocorre-em-casa-notificacao-aumentou-83.ghtml
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43010109