Laços Capítulo Um

Olá, pessoal! Vou começar a postar os capítulos do meu livro Laços. Se puderem deixar um comentário para eu saber o que acharam, agradeço muito! Se quiserem adquirir um exemplar autografado, me contate em @sorayafreireoficial 

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Se o fato é que eu sou muito do seu desagrado

Eu não quero ser chato

Mas vou ser honesto

Eu não sei o que você tem contra mim

Você pode tentar, por horas, me deixar culpado

Mas vai dar errado

Já que foi o resto da vida inteira que me fez assim

(Clarice Falcão – Capitão Gancho)


Capítulo Um

— Eles vão se separar — disse ele, sentando-se ao lado dela.

Ela olhou para ele, franzindo o cenho.

Avecredo! agourando o casamento do teu próprio irmão? — ela bateu os nós dos dedos três vezes na mesa. — Deus é mais que essa tua boca maldita.

— Não sabe que, de cada três casamentos, dois acabam em divórcio? — perguntou ele, com ar de quem encerra a questão.

— E não pode pensar que o dos nossos irmãos é o que vai durar? — perguntou ela, encarando-o. Ele ia responder, mas…

— Carly, André! — eles olharam para o lado e a noiva estava acenando, sorrindo. — Venham tirar foto.

Carly e André levantaram-se e foram até o gazebo decorado com rosas e não-me-esqueças, montado perto da piscina. Os saltos de Carly estavam afundando na grama e André tentou ajudá-la. Ela afastou a mão dele.

bem, então — disse ele, ríspido. — Só queria ajudar.

— Não preciso da ajuda de um cético.

Eles chegaram aos noivos. O irmão de André tinha os cabelos cor-de-mel e os olhos verdes, como os da mãe deles. Seus cabelos partidos de lado, assentados, e o smoking, davam-lhe um ar de Leonardo DiCaprio, em Titanic; foi o que Carly pensou. O vestido da irmã dela era mullet, desenhado pela própria, com um detalhe rosa na cintura e a cauda de tule, da mesma cor. Os cabelos da noiva desciam em cachos sobre os ombros, encimados por uma tiara de brilhantes. Era da mãe do noivo e Carly preferia nem pensar que a irmã carregava mais dinheiro na cabeça do que ela ganharia em toda sua vida como professora.

— Estão brigando de novo? — perguntou o noivo.

— Teu irmão é um chato, Tiago — falou Carly, aborrecida.

— E tu é um amor de pessoa — disse André, sarcástico. — Só que não.

— Vocês vão acabar casando — disse a noiva, sorrindo.

— Não fala besteira, Lucy — repreendeu Carly. — E tu sabe que eu odeio tirar foto.

— Não seja boba — Lucy sorriu. — Anna, Marcos, voltem... os quatro padrinhos agora.

Anna e Marcos eram amigos de Lucy e Tiago e padrinhos, junto com seus irmãos. Os seis posicionaram-se e o fotógrafo clicou duas vezes. Anna e Marcos saíram.

— Agora, Carly fica ao lado de Tiago e Andy, do meu. Depois a gente troca — disse Lucy.

Os quatro posicionaram-se e o fotógrafo clicou de novo. Depois, André ficou ao lado do irmão e Carly, da irmã. Mais um clique.

Y hacen click sobre mí — cantarolou Carly.

Y nadie se parece a lo que ví[i] — completou Lucy. Elas sorriram uma para outra.

— Só falta começarem a cantar Justin Bieber também — André revirou os olhos e comentou, entediado.

— E o que tu tem contra o J.B.? — perguntou Lucy, olhando feio para o cunhado.

— Em ordem alfabética ou aleatoriamente?

— Ok — interveio Tiago, antes que sua noiva rebatesse. — Andy, sabe que Lu é belieber. Para de provocar.

André deu de ombros. Lucy ignorou-o e voltou às fotos. Ela colocou as mãos de André na cintura da irmã, os dois, meio de ladinho. Ela pediu para a irmã colocar as mãos sobre as dele. Carly ficou incomodada com as mãos de André em sua cintura. Outro clique. Lucy pediu para Carly virar e colocar as mãos nos ombros de André. Antes que a cunhada pedisse, André abraçou a concunhada pela cintura. Carly levantou os olhos e encontrou os de André — eram castanho-claro, diferente dos do irmão. André observou que os olhos de Carly tinham um tom de castanho que ficava meio verde na luz do sol. O fotógrafo disse “olhem aqui”; Carly e André desviaram o olhar para ele. Outros cliques. André e Carly apartaram-se logo e os irmãos afastaram-se para as irmãs tirarem fotos juntas.

— Carly é muito bonita, não acha? — perguntou Tiago, dando uma cotovelada de leve no irmão.

— Casou com uma e já de olho na outra? — perguntou André e Tiago fechou a cara.

Pra você, animal — disse ele, zangado. — Ela é legal e...

André já estava cansado de todo mundo ficar tentando lhe empurrar qualquer moça solteira que aparecia.

— Não quero namorada, Tiago — declarou, encarando o irmão. — As mulheres são todas umas idiotas egoístas...

— Carly não é igual a... — começou Tiago, mas André cortou-o:

— Como sabe? Se prepare pra receber um par de chifres quando menos esperar.

— Não fala assim da Lucy — exasperou-se Tiago.

— Calma, garotos — disse uma voz sorridente e eles olharam para trás. Um homem de cabelos castanhos, salpicados de grisalhos, estava parado ali, de braço dado com uma mulher de cabelos pintados de loiro, olhos escuros e vestido vermelho. André ia saindo, mas o homem o deteve. — Não falou comigo, Andy. Não pode ignorar seu pai pra sempre.

— Mas, enquanto eu puder, eu vou ignorar, Pedro — falou André, encarando o pai.

— Por favor, sem brigas — disse uma mulher de cabelos loiros e olhos verdes, ao se aproximar. Ela usava um vestido vermelho longo, de ombro único. Seus cabelos tinham um penteado armado a la Adele. — O Classe A quer uma foto da família — completou, olhando com desprezo para a mulher ao lado de Pedro.

— Quando a gente for uma família, me chama — falou André e ia saindo.

A mulher segurou o braço dele e olhou-o nos olhos.

— Para de agir assim. É o casamento do seu irmão — disse, entredentes. — Não me faça passar vergonha. Pode, por favor, comportar-se de modo que pareça feliz?

— Você realmente não soube educar os seus filhos, não é, Ange? — comentou a mulher, ao lado de Pedro.

— Cala essa boca, Liadan — disse Tiago, com raiva.

Liadan sorriu, superior, quando Lucy interveio e chamou Tiago para perto dela. Angélica fuzilou Liadan com o olhar e Pedro cochichou algo para esposa, descontente. A jornalista do jornal Classe A apareceu, com o fotógrafo, para encerrar a discussão.

— Áurea, venha aqui — chamou Liadan. Uma garota de mechas roxas nos cabelos, com um vestido preto e All-Star, apareceu, com a cara fechada. O fotógrafo pediu para ela sorrir, mas não houve jeito. — Sorria, garota — falou a mãe, entredentes, dando um beliscão no braço dela.

— E quem não soube educar os filhos? — comentou Angélica, satisfeita.

Pedro puxou a filha para o lado dele e eles tiraram algumas fotos. A jornalista pediu para Carly ficar ao lado de André.

— Coloque aí que o próximo a se casar será o André — disse Pedro, divertindo-se. André olhou feio para o pai e Carly afastou-se dele.

Depois, os tios de Lucy e os de Tiago foram chamados para uma foto da família toda.

— Esse André é um pedaço de mau caminho, hein, Carlinha? — comentou tia Salomé, depois que a sessão de fotos acabou e André afastou-se.

Carly olhou para tia, incrédula. Ela fazia cada comentário. –– Lucy e Tiago estavam, agora, tirando fotos com a família Schutt, amigos dos pais do noivo. –– A tia era irmã mais velha de sua mãe e a ajudou a cuidar de Lucy, quando sua mãe faleceu. Salomé era do tipo que queria casar todo mundo, amava lembrar a sobrinha que ela acabaria sozinha, com vinte e seis gatos — ou cachorros, já que Carly não gostava muito de gatos.

— Ele é um pedaço de cavalo, isso sim — Carly falou e saiu.

André estava sentado à mesa da família, observando umas moças que não tiravam os olhos dele. Corria pela cidade o boato de que o mais velho dos Ferreira se tornara um recluso. Depois de sua noiva tê-lo abandonado, uma semana antes do casamento, ele não se relacionara com mais ninguém. As fofocas também davam conta de que André fora traído pela noiva, com o melhor amigo dele.

André observou Carly andar pela grama, segurando seu vestido azul de um tecido drapeado. Ela tinha uma certa graça no andar, apesar de Angélica sempre reclamar que a moça andava com os ombros caídos. Carly é muito bonita, não acha? A pergunta de Tiago ressoou em sua cabeça. Pensando bem, era sim, concluiu André. Carly tinha a tez morena-clara, cabelos castanhos cacheados, que ela mantinha escovados. O nariz era arrebitado e ela tinha algumas sardas sobre o nariz e as bochechas; herança genética da mãe, que André sabia que era ruiva.

— Será, que apenas por um dia, tu poderia pensar em alguém além de tu mesmo? — perguntou Carly, sentando-se ao lado de André. Ele olhou para ela. — É o casamento do teu irmão e tu fica aí emburrado como se alguém tivesse te ofendido.

— Só não gosto de fingir como todo mundo — rebateu ele.

— Tu é um chato de galocha, sabia? — perguntou ela, olhando com raiva para ele. André sorriu.

— Por que eu disse que tu deveria se matricular numa academia? Ora, tu disse que tava gorda… Ou por que eu falei que ia derrubar sua irmã só com seu olhar?

— É mesmo um imbecil — falou Carly, ofendida. — Como pode dizer que eu estou com inveja da minha irmã?

— Não que queira o noivo dela — falou ele. — Mas queria que fosse tu ali, com aquele vestido. Sente que está errado. É a mais velha; deveria casar primeiro.

— Não é uma competição — tornou ela. — E aposto que é você que está sentindo tudo isso. Afinal, é um ótimo candidato a um velho rabugento e solitário. Agora, cala a boca, ? Você calado é Machado de Assis.

— E você calada é Clarice Lispector.

André sorriu, enquanto Carly cruzou os braços e ficou olhando para frente. Eles não se deram bem desde a primeira vez que se viram, quando Tiago levou Lucy e a família dela para apresentar à família. Carly achava André demasiado sarcástico e propenso a comentários contundentes. André achava Carly uma metida a sabe tudo, que se achava superior. Ele observou a moça; os cabelos castanhos estavam presos em um elegante penteado. Ela usava um batom avermelhado, não muito forte. Desde que se conheceram, André tinha certeza que já vira Carly, antes de Tiago apresentá-los.

— Por que eu acho que a gente já se viu antes? — perguntou ele e Carly olhou para ele.

— Ah, eu lembraria se tivesse conhecido pessoa tão intragável.

Intragável. Então, ele lembrou de uma garota morena, de aparelho, na Livraria Conceito, em...

— Dezembro de 2005 — Carly franziu o cenho. — Livraria Conceito, em Jequié. Tu tava lá pra comprar o sexto livro de Harry Potter. Só tinha um exemplar e nós brigamos porque eu cheguei primeiro e a vendedora disse que não tinha mais.

— Eu tinha pedido pra guardar — disse ela, lembrando-se. — Tu achou um absurdo. Disse que eu tava tirando vantagem por conhecer a vendedora, porque ela era minha tia.

— Você disse que eu era intragável igual os Dursley. Depois a vendedora pediu calma e disse para procurarmos outro exemplar ou nenhum dos dois poderia levar…

— E nós achamos outro exemplar, embaixo de outros livros... Nossa, eu nem lembrava mais que era tu — os dois sorriram. — E gostou do livro?

— Coloquei fogo — disse André. Carly ficou chocada.

— Por quê? — perguntou ela, olhando para ele.

— Era aniversário da minha namorada. Comprei pra ela. Mas foi ela quem me deu um presente, no dia da festa. Um par de chifres — falou ele, displicente, olhando para os noivos. — Com meu amigo.

Carly ficou sem graça, sem saber o que dizer.

I’m sorry.

— Não sinta — disse ele, olhando para ela. — I don’t care — ele sorriu e Carly achou que, talvez, André não fosse tão chato assim. — E sua tia?

— Ah, é a tia Lia. Ela não pôde vim. Ela mora no Rio Grande do Sul, agora. Meu primo ficou muito doente.

— Ah, que pena. Espero que ele fique bem — André sorriu e pegou um canapé.

Angélica aproximou-se. Ela olhou para Carly, como sempre, com um ar de desagrado. — Sente-se direito, garota — falou, ríspida. A moça endireitou-se na cadeira. — E pare de comer tanto!

— Ela não está comendo, mãe — disse André, olhando de Angélica para Carly, que parecia constrangida.

— Está na hora da valsa — disse ela, ignorando o filho, e olhando para moça. — Retoque a maquiagem. Vai dançar com meu filho e tem que estar perfeita. E não ande com os ombros caídos — Angélica saiu.

— Não é pessoal — disse André, enquanto levantavam-se e caminhavam para casa de dois andares e portas de vidro.

— Eu acho que é — falou a moça.

Eles subiram para o segundo andar. André foi para seu quarto, enquanto Carly foi para o quarto de hóspedes. Ela foi ao banheiro e retocou a maquiagem. Ao sair, olhou pela janela. No gramado, pontos preto e branco e coloridos conversavam, riam, comiam e bebiam ao som de música romântica tocada pela banda DREAM, da prima de Carly e Lucy, Anamary. O casal principal estava abraçado, perto da mesa do bolo. Tiago cochichou no ouvido de Lucy e ela riu. Eles deram um beijinho. Carly pensou que talvez seria sempre assim: assistir as coisas de cá, sem nunca fazer parte, como quando assistia a filmes e novelas.

— Pronta? — perguntou André, colocando a cabeça para dentro do quarto.

Carly balançou a cabeça, olhou para cima e engoliu em seco. Ela sorriu. Ao passar por André, ele percebeu a tentativa dela de não chorar, nem parecer abalada. Ele pegou a mão dela e a colocou no seu braço. Carly olhou para ele, que sorriu.

— Conhece piadas sobre casamento? — perguntou o rapaz, enquanto desciam.

— Algumas, mas odeio a maioria — respondeu ela.

— Por que falam a verdade?

— Não. Porque estão carregadas de estereótipos.

— Bah, o que tu chama de estereótipos, eu chamo de verdade — disse ele, ao chegarem ao jardim.

— Tu não sabe nada sobre casamento — disse ela.

— Nem tu — rebateu ele.

Quando os dois aproximaram-se, Angélica reclamou da demora e foi anunciar a dança. Tiago e Lucy entraram primeiro, na pista de dança; depois, André e Carly; Anna e Marcos. A música começou e eles fizeram a coreografia ensaiada, recebendo aplausos antes mesmo de terminarem. Depois, a valsa começou. André colocou o braço na cintura de Carly e ela segurou sua mão. Na metade da música, outros casais entraram na pista de dança.

— Por que está tão longe? — perguntou André e apertou Carly contra si. — Eu não mordo, sabia? Apesar de que se eu mordesse, talvez realize sua fantasia secreta, né? — ele sorriu.

Carly olhou nos olhos castanho-claro de André. — Tu é muito abusado — disse ela, afastando-o. Ela deu um passo atrás e bateu em Pedro e Liadan. — Desculpa — Carly ruborizou.

André olhou feio para o pai e a madrasta e puxou Carly para longe dos dois.

— Desculpa — falou ele. — Foi só uma brincadeirinha. Porque gosta de vampiros. Por que sempre implica com tudo que eu falo? — perguntou, olhando-a nos olhos, enquanto dançavam. Carly não respondeu, apenas saiu da pista, deixando André sozinho.


[i]E fazem clique sobre mim/ E ninguém se parece com o que vi. Trecho da música “Click”, interpretada por Anahí, Bryan Amadeus e Ale Sergi. Composição: Bryan Amadeus e Ale Sergi.


Laços © Soraya Freire, 2016

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, lugares ou fatos é uma mera coincidência.

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