Laços Capítulo Três

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Capítulo Três

 

Carly estava no seu quarto, ouvindo o CD Havoc and Bright Lights, de Alanis Morissette, enquanto corrigia atividades. Ela parou para observar Sirius nadar no aquário a seu lado. Quase uma semana que Lucy tinha ido embora. Ela tinha ligado de Santiago, dizendo que era tudo lindo e que estavam bem. As irmãs se falaram pelo Twitter e pelo Facebook, mas Carly não queria atrapalhar a lua-de-mel da sua irmã, portanto não ficava importunando-a; apenas respondia as mensagens que Lucy mandava. Chegando ao Rio, a mais nova ligou de novo para dizer que estava em casa e bem.

Ela olhou para o porta-retratos ao seu lado, na escrivaninha — ela e sua irmã, sorrindo. Sentia tanta falta de Lucy. Aquele quarto e a casa ficaram tão vazios sem ela. Mas Carly esperava o dia em que ficaria sozinha, desde que Lucy mudara-se para Vitória da Conquista para cursar Moda, na Brasilartes. Só não imaginou que seria tão rápido e doloroso.

O CD de Alanis terminou e Carly abriu uma pasta no seu notebook. Ela tinha feito um vídeo, com algumas fotos, e Hiding my heart, de Adele, como música de fundo. As fotografias eram de Carly e Lucy, juntas, separadas, com a mãe, em vários lugares diferentes... Carly não se lembrava do dia em que Lucy nasceu, nem de sua mãe grávida, porque era muito pequena; mas as irmãs sempre foram muito amigas e todos achavam que eram gêmeas.

Carly lembrou-se de quando sua irmã passou no teste para Brasilartes. A escola de artes, famosa no país e reconhecida internacionalmente, possuía filiais nas cinco regiões e era muito cara. Carly sabia do desejo da irmã de fazer Moda, e sua mãe apoiaria isso, mas adiou, com a desculpa de que Lucy deveria terminar a escola, primeiro. Sua prima, Anamary, porém, incentivou Lucy a fazer o teste e ofereceu-se para pagar a mensalidade. No entanto, Lucy trabalhava para Miranda Roy, na Grife Wonderful Woman. A famosa estilista soube do talento de Lucy como estilista e conseguiu uma bolsa para ela. Em Conquista, ela trabalharia no ateliê, com a própria Miranda, portanto haveria chance de ela ganhar um pouco mais. Lucy dedicou-se e formou-se, dois anos depois, como a primeira da classe.

Foi na Brasilartes que Lucy conheceu Tiago, através do namorado — Marcos — de uma amiga dela — Anna. Ele fazia Cinema e Teatro; sua família era de Luís Eduardo Magalhães, donos da rede de lojas Empório MimoSweet e produtores de soja. Os dois tinham objetivos em comum: morar no Rio de Janeiro, ser bem-sucedidos em suas carreiras e viajar o mundo. Além disso, eram apaixonados por séries de TV, livros e filmes, principalmente os de Alfred Hitchcock.

Carly lembrava-se de quando Lucy ligou e disse:

Sis, acho que estou apaixonada — e a irmã sabia que ela estava sorrindo.

— Já imagino por quem — falou Carly, sorrindo.

Carly sabia que os dois eram amigos, mas ficou preocupada por saber que ele era muito rico. Desconfiava das verdadeiras intenções de Tiago e não foram poucas vezes que pediu à irmã para ter cuidado. Os tios fizeram coro, mas as atitudes de Tiago passaram confiança à família da moça. Ele foi até a casa dela, nas férias, pedir autorização aos tios e à irmã da garota, para namorá-la, e levou Lucy para conhecer a família dele. Com seis meses de namoro, Lucy disse a Carly e aos tios que Tiago queria casar.

Quando Lucy terminou o Curso de Moda, no dia seguinte à formatura, Tiago fez o pedido oficial. E para quem dizia que nunca se casaria, a irmã de Carly aceitou de pronto. A mais velha tentou dissuadir a caçula da ideia de casar aos vinte anos, mas ela sabia que Lucy estava confiante e Tiago era um bom rapaz, apesar da família complicada que tinha. Mas quem tem uma família simples?

No fim, Carly percebeu que só estava com medo de ficar longe de Lucy, já que ela e Tiago pretendiam morar no Rio. Ele foi convidado para trabalhar na Brasilartes carioca, por causa do seu ótimo trabalho na escola de Vitória da Conquista. Havia também um novo projeto do Happiness Channel, um canal de TV a cabo, para o qual ele foi convidado. Miranda Roy queria Lucy no seu escritório carioca, como uma de suas estilistas.

Oito meses de preparativos e Lucy e Tiago casaram-se, com uma festa no jardim da casa dos Ferreira, em Luís Eduardo Magalhães. Agora Carly estava sozinha, no quarto que dividira com a irmã, nos últimos cinco anos. Quando sua mãe morreu, as duas mudaram-se para casa de baixo, onde seus tios moravam. Sua mãe tinha ido embora. Agora Lucy...

 

I wish I could lay down beside you

When the day is done

And wake up to your face against the morning sun

But like everything I've ever known

You'll disappear one day

So I'll spend my whole life hiding my heart away

I can’t spend my whole life hiding my heart away...[i]

***

 

André estava trabalhando, em sua sala, no Empório MimoSweet, e se sentia completamente entediado. Há horas, fazia e refazia aquelas contas e sempre davam errado. Chegara a conclusão de que ou não sabia matemática ou os números não batiam. Apesar de ter passado na média na faculdade de Administração, ele sabia matemática. O fato é que o pai estava fazendo vista grossa para as retiradas de Liadan. Isso poderia arruinar a empresa.

André levantou-se, afrouxou a gravata e olhou pela janela. O céu estava cinza-grafite, o que significava uma tempestade a caminho. Olhou o celular: 16:45. Voltou a se sentar e apertou um botão do telefone.

— Dora, meu pai tá aí?

Já foi, senhor.

— Ok… Pode ir também.

Obrigada, Sr. André.

Era muito chato ter que trabalhar até àquela hora, no dia de sábado. Desligou o computador, pegou o paletó e saiu do escritório. Ao chegar ao térreo, o celular tocou. Era Mário, um ex-colega de escola, convidando-o para uma festa. André recusou. As festas de Mário eram sempre over. A única vez em que André aceitou, arrependeu-se e saiu, à francesa, meia hora depois.

Enquanto dirigia seu BMW X3, André estava ouvindo Como os nossos pais, na voz de Elis Regina, e lembrou-se de Carly — ela gostava daquela canção. Localizou o número na sua lista de contatos do iPhone, através do computador de bordo, e fez a chamada.

Sem saber que horas eram, Carly acordou com o som de Skyfall, de Adele — era seu celular tocando. Ela pegou o aparelho, ainda com os olhos fechados, e atendeu.

— Alô?

Carly, é o André — ela escutou a voz forte, do outro lado da linha.

— André? — Carly sentou-se na cama, esfregando os olhos com a mão desocupada. — Tudo bem com Lucy e Tiago?

Tudo. Lu não te ligou?

— Ligou. Mas é que... tu ligando, eu... — houve um silêncio. — Então?

— Ah, bom, eu... só... queria saber se está bem...

— mentiu ela, dobrando os joelhos para perto do peito e olhou para cama de Lucy a seu lado.

— De verdade?

me chamando de mentirosa? — Carly percebeu a rispidez na própria voz.

— Eu ligo pra saber como está, se precisa conversar... e já fica na defensiva — a voz de André soou aborrecida.

— Quem está na defensiva? — questionou Carly. — Se eu disse que bem é porque estou.

— Impossível falar contigo — falou André, chateado e desligou.

Carly olhou para tela do celular. Tinha sido grossa sem motivo e arrependeu-se. Retornou a ligação e esperou... Chamou, chamou...

A mais de seiscentos quilômetros dali, André entrou no Condomínio Jardim Paraíso. Como alguém poderia ser tão irritante quanto Carly? O celular dele tocou e ele viu que era o número dela. Deixou tocar até sua mensagem gravada soar: Aqui é o André. Não posso atender no momento. Deixe seu recado. Se for importante, eu retorno.

— Desculpa — ele ouviu a voz de Carly. — Eu péssima, tá bom?

André pegou o celular do suporte, depois de parar na frente da casa.

— Desliga, que eu retorno — ele ligou de novo e Carly atendeu, falando:

me sentindo sozinha, completamente perdida e chorando desde domingo, tá bom? — ele pôde ouvir o suspiro dela.

— Melhor agora? — perguntou.

— É,melhor. Thank you. And sorry again[ii].

You’re welcome[iii]. Imaginei que estivesse precisando falar.

And you?[iv] — perguntou ela.

— I’m fine[v] — disse ele, tentando soar displicente.

Who’s lying now?[vi]

— Ok, ok — André sorriu. — É estranho pensar que Tiago não vai estar em casa de quinze em quinze dias, nem nos feriados…

— É estranho como a gente se apega às pessoas e elas simplesmente se vão.

— É.

— Estava ouvindo “Hiding My Heart”, da Adele.

— Não faz isso, não — falou André, chocado. — Essa música é muito depressiva. Houve um funk.

— É aí que vou entrar em depressão mesmo.

Os dois riram e André lembrou-se da música de Sandra de Sá.

— “Eu não aqui pra sofrer” — cantou ele. — “Vou sentir saudade pra quê?” — continuaram os dois. — “Quero ser feliz. Bye, bye, tristeza, não precisa voltar...”[vii]

Eles ficaram em silêncio e André entreouviu uma conversa de Carly com a tia. Então, ela voltou a falar:

— Tenho que desligar. Vou me arrumar para ir à missa.

— Ah, — disse André e percebeu desamparo na própria voz. — It’s great[viii]. Não fica em casa chorando. Qualquer coisa que precisar, liga. See ya[ix]!

Bye — falou Carly e desligou.

André ficou olhando para a tela do seu celular, cujo protetor de tela era uma foto do casamento de Tiago — ele e Tiago abraçavam Carly e Lucy, pela cintura. Os quatro sorriam e André lembrava-se do toque suave das mãos de Carly sobre as suas. E ele podia sentir o cheiro dos cabelos dela. Seja lá o que ela usara no cabelo, naquele dia, tinha cheiro de morango. André se pegou sorrindo e balançou a cabeça. Saiu do carro, acionou a trava e entrou em casa.


 



[i] Eu queria poder deitar ao seu lado/Quando o dia acabar/E acordar com seu rosto virado para o sol da manhã/Mas como tudo que eu conheci/Você desaparecerá um dia/Então passarei minha vida toda escondendo meu coração/Eu não posso passar minha vida toda escondendo meu coração. Trecho da canção Hiding My Heart, regravada por Adele e gravada originalmente por Brandi Carlile. Escrita por Tim Hanseroth e produzida por Rodaith McDonald.

[ii] Obrigada. E desculpa de novo.

[iii] De nada.

[iv] E você?

[v] Tô bem.

[vi] Quem está mentindo agora?

[vii] Trecho da música Bye, bye, tristeza, interpretada por Sandra de Sá. Compositores: Carlos Colla e Marcos Valle.

[viii] Isso é legal.

[ix] Até mais!


Laços Capítulo Dois

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Capítulo Dois

 

Depois da festa, o tio de Tiago, Ricardo, levaria os noivos até Barreiras, onde eles pegariam um voo até Salvador. Da capital, Lucy e Tiago viajariam para Santiago, no Chile, onde passariam uma semana em lua-de-mel.

— Vai com Deus — disse Carly, abraçando Lucy, bem forte.

— Não chora, Cá — pediu a irmã.

— Não chorando — Carly enxugou as lágrimas, sorrindo. — Só desejo que seja muito feliz, Lu.

Lucy apertou as mãos de Carly, olhando-a nos olhos.

— Eu vou ser.

I love you, Lu — disse Carly.

I love you too, sis.

André também estava despedindo-se de Tiago. Os dois abraçaram-se e André desejou boa viagem ao irmão. Tiago agradeceu.

— Desculpa pelo que eu disse, ? — falou o mais velho e o caçula assentiu. — Não vai fazer besteira, viu? Cuida bem da Lucy.

Tia Salomé apertou Lucy em um abraço e disse para se cuidar e ligar quando chegassem. As tias de Tiago, Rosana e Carolina, abraçaram os noivos. Eles despediram-se de todos os parentes, enquanto os tios, Ricardo e Fernando, colocavam as malas no carro. Por fim, Carly abraçou o cunhado e desejou-lhe boa viagem.

— Cuida bem da minha irmã — recomendou ela. — Ou vai ver. Quando eu sou boa, sou boa. Quando sou má, sou Belatriz Lestrange.

Tiago sorriu.

— Vou cuidar da Lucy como se minha vida dependesse disso — ele abraçou a esposa e deu um beijo na bochecha dela. — Porque depende.

Tiago e Lucy entraram no carro de tio Ricardo, acenaram mais uma vez... e partiram. Carly estava chorando e Salomé abraçou-a. André sentiu uma sensação de vazio enquanto o carro afastava-se. Olhou para Carly, enquanto ela enxugava as lágrimas, e seus olhares cruzaram-se. Ele virou-se e entrou em casa.

As tias de Carly, Cecília e Carmen, decidiram voltar logo para o Rio de Janeiro. A moça despediu-se deles e agradeceu por terem vindo. Todos entraram no ônibus da banda DREAM e partiram. A avó materna de Tiago, dona Anita, e a tia, Natália, ficariam na casa. Mas os tios paternos, Carolina e Fernando, e as primas, Laura e Lara, também se despediram.

Carly subiu e se trocou. Ela estava olhando, pela janela, a equipe da promotora de eventos desarmar o palco, ao lado da piscina. Várias pessoas tiravam toalhas das mesas e outros carregavam arranjos e cadeiras para fora.

— Não precisa ir correndo — disse tia Rosana. Carly enxugou as lágrimas, antes de olhar para ela. A mulher de sorriso franco e olhos pequenos fitou-a. — Por que não fica uns dias na fazenda com a gente?

— Seria legal — disse Rosa, a filha mais nova de Rosana e Ricardo, ao lado da mãe. Ela e Carly tinham ficado amigas, desde que se conheceram.

— Obrigada, mas tenho que ir — Carly sorriu.

— Quando quiser passar o fim de semana, é só ligar — Rosana sorriu para ela.

***

Depois que todos foram se deitar e a casa ficou silenciosa, Carly ainda estava acordada, lendo a Bíblia. Estava, há uma semana, naquele quarto, e era tão estranho quanto no primeiro dia. Mas, pelo menos, antes, tinha a companhia de Lucy. Ainda bem que logo estaria em casa. Esperava que Dona Eva realmente se lembrasse de dar comida a seu peixinho. Carly estava pensando como seria voltar para casa, sozinha. Tia Salomé e tio Eli estariam em casa, mas ela sentiria muita falta de Lucy. A moça levantou-se, pegou o celular e saiu para varanda. Sentou em uma das cadeiras de palha e esticou as pernas, apoiando os calcanhares na grade de proteção. Ficou lendo.

No quarto de André, ele estava na sua luta noturna contra a insônia. Decidiu, então, sair para varanda e ler um pouco lá fora, para ver se o sono chegava. Estava um pouco frio, mas não se importava muito com isso. André viu Carly sentada na varanda do quarto dela, com a cabeça baixa, lendo.

— Sem sono? — perguntou ele, aproximando-se da grade.

Carly quase caiu da cadeira. Baixou as pernas, com a mão sobre o peito e olhou para André.

— Que susto, cara. Pensei que todos estivessem dormindo.

— Sabe que tenho insônia — disse ele, ledo. — Estava lendo também — André mostrou a Bíblia.

— Olha, tu a Bíblia. Com todo esse mal humor e ceticismo pensei que nem soubesse o que era isso.

— Ser cristãos não nos faz santos — André pulou da sua varanda para a de Carly e se sentou em uma das cadeiras vazias. — A começar pela tendência que temos de julgar as pessoas.

Carly ruborizou e ficou quieta por uns segundos.

— O que estava lendo? — perguntou ela.

— Salmo 114 — disse o rapaz.

— É o que me impede de pirar — disse ela e sorriu.

— Eu também — André ficou observando o céu. As luzes do jardim estavam apagadas e a lua era minguante. As nuvens eram poucas, apesar de ser inverno; por isso as estrelas estavam bem visíveis. Ele olhou para Carly e ela estava olhando para o céu. — Gosta das estrelas?

— Quem não gosta? — perguntou ela, olhando para ele.

— Sabe reconhecer?

— Não.

— Aquela… tá vendo? — perguntou André, apontando. — É Sirius, a estrela alfa da constelação do Cão Maior, a maior estrela visível no céu. O nome do seu peixinho é Sirius Black, né? — ele olhou para Carly e ela sorriu. — Aquelas formam a constelação do Escorpião, visível durante todas as noites de inverno. Tu é de Libra, né?

— Sou.

— Na direção do Escorpião, tu a balança. Antes, era considerada uma das pinças do Escorpião até se tornar uma constelação independente... Não que eu acredite em horóscopo — André e Carly olharam um para o outro.

— Nem eu — disse ela. — Dizem que os librianos são equilibrados.

— É, e tu é completamente louca — brincou André, mas Carly não gostou.

— E dizem que os capricornianos não perdem a cabeça, enquanto tu explode por qualquer coisa.

André desviou os olhos. Carly ficou em silêncio, lendo. André olhou para ela, por alguns instantes, e abriu a Bíblia também. Carly pegou o celular em cima da mesa e colocou Greastest love of all, de Whitney Houston, para tocar. André sorriu. Ele sabia da preferência de Carly por músicas melosas.

— É uma pena como algumas pessoas, com talentos extraordinários, se vão.

— Infelizmente, talentos extraordinários não significam sabedoria para se manter longe de caminhos tortuosos — falou André.

— Pelo contrário — disse Carly, olhando para ele. — Parecem conduzir, mais fácil, a eles.

— Acho que é o fato da natureza humana ter se transformado de perfeita para imperfeita. Nos acostumamos com a segunda e quando algo em nós parece levar à primeira, pendemos para segunda.

Carly fitou André, considerando, enquanto outra música começava: Coming Around Again, de Carly Simon.

— Nossa, você gosta de música antiga, né? — ele riu.

— Minha mãe gostava — Carly sorriu, triste. — Nossos nomes são em homenagem às irmãs Simon.

— Pensei que o de Lucy tivesse a ver com os Beatles.

— Nunca escutamos muito os Beatles — falou ela. — Era Jovem Guarda, Roupa Nova, Céline, Whitney, Carly, ABBA...

— ABBA? — André sorriu. — Nossa, foi muito longe.

— Quase fomos Agnetha e Anne-Frid.

— Prefiro Carly e Lucy.

Carly colocou a mão na frente da boca, quando bocejou. André disse para ela ir dormir e desejou boa-noite.

— Deveria ir dormir também — disse ela, levantando-se. — Pra mim, geralmente funciona contar de duzentos para um, voltando.

— Valeu pela dica — disse ele. — Good night.

Good night — Carly entrou no quarto e fechou a porta para varanda.


 

Laços Capítulo Um

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Se o fato é que eu sou muito do seu desagrado

Eu não quero ser chato

Mas vou ser honesto

Eu não sei o que você tem contra mim

Você pode tentar, por horas, me deixar culpado

Mas vai dar errado

Já que foi o resto da vida inteira que me fez assim

(Clarice Falcão – Capitão Gancho)


Capítulo Um

— Eles vão se separar — disse ele, sentando-se ao lado dela.

Ela olhou para ele, franzindo o cenho.

Avecredo! agourando o casamento do teu próprio irmão? — ela bateu os nós dos dedos três vezes na mesa. — Deus é mais que essa tua boca maldita.

— Não sabe que, de cada três casamentos, dois acabam em divórcio? — perguntou ele, com ar de quem encerra a questão.

— E não pode pensar que o dos nossos irmãos é o que vai durar? — perguntou ela, encarando-o. Ele ia responder, mas…

— Carly, André! — eles olharam para o lado e a noiva estava acenando, sorrindo. — Venham tirar foto.

Carly e André levantaram-se e foram até o gazebo decorado com rosas e não-me-esqueças, montado perto da piscina. Os saltos de Carly estavam afundando na grama e André tentou ajudá-la. Ela afastou a mão dele.

bem, então — disse ele, ríspido. — Só queria ajudar.

— Não preciso da ajuda de um cético.

Eles chegaram aos noivos. O irmão de André tinha os cabelos cor-de-mel e os olhos verdes, como os da mãe deles. Seus cabelos partidos de lado, assentados, e o smoking, davam-lhe um ar de Leonardo DiCaprio, em Titanic; foi o que Carly pensou. O vestido da irmã dela era mullet, desenhado pela própria, com um detalhe rosa na cintura e a cauda de tule, da mesma cor. Os cabelos da noiva desciam em cachos sobre os ombros, encimados por uma tiara de brilhantes. Era da mãe do noivo e Carly preferia nem pensar que a irmã carregava mais dinheiro na cabeça do que ela ganharia em toda sua vida como professora.

— Estão brigando de novo? — perguntou o noivo.

— Teu irmão é um chato, Tiago — falou Carly, aborrecida.

— E tu é um amor de pessoa — disse André, sarcástico. — Só que não.

— Vocês vão acabar casando — disse a noiva, sorrindo.

— Não fala besteira, Lucy — repreendeu Carly. — E tu sabe que eu odeio tirar foto.

— Não seja boba — Lucy sorriu. — Anna, Marcos, voltem... os quatro padrinhos agora.

Anna e Marcos eram amigos de Lucy e Tiago e padrinhos, junto com seus irmãos. Os seis posicionaram-se e o fotógrafo clicou duas vezes. Anna e Marcos saíram.

— Agora, Carly fica ao lado de Tiago e Andy, do meu. Depois a gente troca — disse Lucy.

Os quatro posicionaram-se e o fotógrafo clicou de novo. Depois, André ficou ao lado do irmão e Carly, da irmã. Mais um clique.

Y hacen click sobre mí — cantarolou Carly.

Y nadie se parece a lo que ví[i] — completou Lucy. Elas sorriram uma para outra.

— Só falta começarem a cantar Justin Bieber também — André revirou os olhos e comentou, entediado.

— E o que tu tem contra o J.B.? — perguntou Lucy, olhando feio para o cunhado.

— Em ordem alfabética ou aleatoriamente?

— Ok — interveio Tiago, antes que sua noiva rebatesse. — Andy, sabe que Lu é belieber. Para de provocar.

André deu de ombros. Lucy ignorou-o e voltou às fotos. Ela colocou as mãos de André na cintura da irmã, os dois, meio de ladinho. Ela pediu para a irmã colocar as mãos sobre as dele. Carly ficou incomodada com as mãos de André em sua cintura. Outro clique. Lucy pediu para Carly virar e colocar as mãos nos ombros de André. Antes que a cunhada pedisse, André abraçou a concunhada pela cintura. Carly levantou os olhos e encontrou os de André — eram castanho-claro, diferente dos do irmão. André observou que os olhos de Carly tinham um tom de castanho que ficava meio verde na luz do sol. O fotógrafo disse “olhem aqui”; Carly e André desviaram o olhar para ele. Outros cliques. André e Carly apartaram-se logo e os irmãos afastaram-se para as irmãs tirarem fotos juntas.

— Carly é muito bonita, não acha? — perguntou Tiago, dando uma cotovelada de leve no irmão.

— Casou com uma e já de olho na outra? — perguntou André e Tiago fechou a cara.

Pra você, animal — disse ele, zangado. — Ela é legal e...

André já estava cansado de todo mundo ficar tentando lhe empurrar qualquer moça solteira que aparecia.

— Não quero namorada, Tiago — declarou, encarando o irmão. — As mulheres são todas umas idiotas egoístas...

— Carly não é igual a... — começou Tiago, mas André cortou-o:

— Como sabe? Se prepare pra receber um par de chifres quando menos esperar.

— Não fala assim da Lucy — exasperou-se Tiago.

— Calma, garotos — disse uma voz sorridente e eles olharam para trás. Um homem de cabelos castanhos, salpicados de grisalhos, estava parado ali, de braço dado com uma mulher de cabelos pintados de loiro, olhos escuros e vestido vermelho. André ia saindo, mas o homem o deteve. — Não falou comigo, Andy. Não pode ignorar seu pai pra sempre.

— Mas, enquanto eu puder, eu vou ignorar, Pedro — falou André, encarando o pai.

— Por favor, sem brigas — disse uma mulher de cabelos loiros e olhos verdes, ao se aproximar. Ela usava um vestido vermelho longo, de ombro único. Seus cabelos tinham um penteado armado a la Adele. — O Classe A quer uma foto da família — completou, olhando com desprezo para a mulher ao lado de Pedro.

— Quando a gente for uma família, me chama — falou André e ia saindo.

A mulher segurou o braço dele e olhou-o nos olhos.

— Para de agir assim. É o casamento do seu irmão — disse, entredentes. — Não me faça passar vergonha. Pode, por favor, comportar-se de modo que pareça feliz?

— Você realmente não soube educar os seus filhos, não é, Ange? — comentou a mulher, ao lado de Pedro.

— Cala essa boca, Liadan — disse Tiago, com raiva.

Liadan sorriu, superior, quando Lucy interveio e chamou Tiago para perto dela. Angélica fuzilou Liadan com o olhar e Pedro cochichou algo para esposa, descontente. A jornalista do jornal Classe A apareceu, com o fotógrafo, para encerrar a discussão.

— Áurea, venha aqui — chamou Liadan. Uma garota de mechas roxas nos cabelos, com um vestido preto e All-Star, apareceu, com a cara fechada. O fotógrafo pediu para ela sorrir, mas não houve jeito. — Sorria, garota — falou a mãe, entredentes, dando um beliscão no braço dela.

— E quem não soube educar os filhos? — comentou Angélica, satisfeita.

Pedro puxou a filha para o lado dele e eles tiraram algumas fotos. A jornalista pediu para Carly ficar ao lado de André.

— Coloque aí que o próximo a se casar será o André — disse Pedro, divertindo-se. André olhou feio para o pai e Carly afastou-se dele.

Depois, os tios de Lucy e os de Tiago foram chamados para uma foto da família toda.

— Esse André é um pedaço de mau caminho, hein, Carlinha? — comentou tia Salomé, depois que a sessão de fotos acabou e André afastou-se.

Carly olhou para tia, incrédula. Ela fazia cada comentário. –– Lucy e Tiago estavam, agora, tirando fotos com a família Schutt, amigos dos pais do noivo. –– A tia era irmã mais velha de sua mãe e a ajudou a cuidar de Lucy, quando sua mãe faleceu. Salomé era do tipo que queria casar todo mundo, amava lembrar a sobrinha que ela acabaria sozinha, com vinte e seis gatos — ou cachorros, já que Carly não gostava muito de gatos.

— Ele é um pedaço de cavalo, isso sim — Carly falou e saiu.

André estava sentado à mesa da família, observando umas moças que não tiravam os olhos dele. Corria pela cidade o boato de que o mais velho dos Ferreira se tornara um recluso. Depois de sua noiva tê-lo abandonado, uma semana antes do casamento, ele não se relacionara com mais ninguém. As fofocas também davam conta de que André fora traído pela noiva, com o melhor amigo dele.

André observou Carly andar pela grama, segurando seu vestido azul de um tecido drapeado. Ela tinha uma certa graça no andar, apesar de Angélica sempre reclamar que a moça andava com os ombros caídos. Carly é muito bonita, não acha? A pergunta de Tiago ressoou em sua cabeça. Pensando bem, era sim, concluiu André. Carly tinha a tez morena-clara, cabelos castanhos cacheados, que ela mantinha escovados. O nariz era arrebitado e ela tinha algumas sardas sobre o nariz e as bochechas; herança genética da mãe, que André sabia que era ruiva.

— Será, que apenas por um dia, tu poderia pensar em alguém além de tu mesmo? — perguntou Carly, sentando-se ao lado de André. Ele olhou para ela. — É o casamento do teu irmão e tu fica aí emburrado como se alguém tivesse te ofendido.

— Só não gosto de fingir como todo mundo — rebateu ele.

— Tu é um chato de galocha, sabia? — perguntou ela, olhando com raiva para ele. André sorriu.

— Por que eu disse que tu deveria se matricular numa academia? Ora, tu disse que tava gorda… Ou por que eu falei que ia derrubar sua irmã só com seu olhar?

— É mesmo um imbecil — falou Carly, ofendida. — Como pode dizer que eu estou com inveja da minha irmã?

— Não que queira o noivo dela — falou ele. — Mas queria que fosse tu ali, com aquele vestido. Sente que está errado. É a mais velha; deveria casar primeiro.

— Não é uma competição — tornou ela. — E aposto que é você que está sentindo tudo isso. Afinal, é um ótimo candidato a um velho rabugento e solitário. Agora, cala a boca, ? Você calado é Machado de Assis.

— E você calada é Clarice Lispector.

André sorriu, enquanto Carly cruzou os braços e ficou olhando para frente. Eles não se deram bem desde a primeira vez que se viram, quando Tiago levou Lucy e a família dela para apresentar à família. Carly achava André demasiado sarcástico e propenso a comentários contundentes. André achava Carly uma metida a sabe tudo, que se achava superior. Ele observou a moça; os cabelos castanhos estavam presos em um elegante penteado. Ela usava um batom avermelhado, não muito forte. Desde que se conheceram, André tinha certeza que já vira Carly, antes de Tiago apresentá-los.

— Por que eu acho que a gente já se viu antes? — perguntou ele e Carly olhou para ele.

— Ah, eu lembraria se tivesse conhecido pessoa tão intragável.

Intragável. Então, ele lembrou de uma garota morena, de aparelho, na Livraria Conceito, em...

— Dezembro de 2005 — Carly franziu o cenho. — Livraria Conceito, em Jequié. Tu tava lá pra comprar o sexto livro de Harry Potter. Só tinha um exemplar e nós brigamos porque eu cheguei primeiro e a vendedora disse que não tinha mais.

— Eu tinha pedido pra guardar — disse ela, lembrando-se. — Tu achou um absurdo. Disse que eu tava tirando vantagem por conhecer a vendedora, porque ela era minha tia.

— Você disse que eu era intragável igual os Dursley. Depois a vendedora pediu calma e disse para procurarmos outro exemplar ou nenhum dos dois poderia levar…

— E nós achamos outro exemplar, embaixo de outros livros... Nossa, eu nem lembrava mais que era tu — os dois sorriram. — E gostou do livro?

— Coloquei fogo — disse André. Carly ficou chocada.

— Por quê? — perguntou ela, olhando para ele.

— Era aniversário da minha namorada. Comprei pra ela. Mas foi ela quem me deu um presente, no dia da festa. Um par de chifres — falou ele, displicente, olhando para os noivos. — Com meu amigo.

Carly ficou sem graça, sem saber o que dizer.

I’m sorry.

— Não sinta — disse ele, olhando para ela. — I don’t care — ele sorriu e Carly achou que, talvez, André não fosse tão chato assim. — E sua tia?

— Ah, é a tia Lia. Ela não pôde vim. Ela mora no Rio Grande do Sul, agora. Meu primo ficou muito doente.

— Ah, que pena. Espero que ele fique bem — André sorriu e pegou um canapé.

Angélica aproximou-se. Ela olhou para Carly, como sempre, com um ar de desagrado. — Sente-se direito, garota — falou, ríspida. A moça endireitou-se na cadeira. — E pare de comer tanto!

— Ela não está comendo, mãe — disse André, olhando de Angélica para Carly, que parecia constrangida.

— Está na hora da valsa — disse ela, ignorando o filho, e olhando para moça. — Retoque a maquiagem. Vai dançar com meu filho e tem que estar perfeita. E não ande com os ombros caídos — Angélica saiu.

— Não é pessoal — disse André, enquanto levantavam-se e caminhavam para casa de dois andares e portas de vidro.

— Eu acho que é — falou a moça.

Eles subiram para o segundo andar. André foi para seu quarto, enquanto Carly foi para o quarto de hóspedes. Ela foi ao banheiro e retocou a maquiagem. Ao sair, olhou pela janela. No gramado, pontos preto e branco e coloridos conversavam, riam, comiam e bebiam ao som de música romântica tocada pela banda DREAM, da prima de Carly e Lucy, Anamary. O casal principal estava abraçado, perto da mesa do bolo. Tiago cochichou no ouvido de Lucy e ela riu. Eles deram um beijinho. Carly pensou que talvez seria sempre assim: assistir as coisas de cá, sem nunca fazer parte, como quando assistia a filmes e novelas.

— Pronta? — perguntou André, colocando a cabeça para dentro do quarto.

Carly balançou a cabeça, olhou para cima e engoliu em seco. Ela sorriu. Ao passar por André, ele percebeu a tentativa dela de não chorar, nem parecer abalada. Ele pegou a mão dela e a colocou no seu braço. Carly olhou para ele, que sorriu.

— Conhece piadas sobre casamento? — perguntou o rapaz, enquanto desciam.

— Algumas, mas odeio a maioria — respondeu ela.

— Por que falam a verdade?

— Não. Porque estão carregadas de estereótipos.

— Bah, o que tu chama de estereótipos, eu chamo de verdade — disse ele, ao chegarem ao jardim.

— Tu não sabe nada sobre casamento — disse ela.

— Nem tu — rebateu ele.

Quando os dois aproximaram-se, Angélica reclamou da demora e foi anunciar a dança. Tiago e Lucy entraram primeiro, na pista de dança; depois, André e Carly; Anna e Marcos. A música começou e eles fizeram a coreografia ensaiada, recebendo aplausos antes mesmo de terminarem. Depois, a valsa começou. André colocou o braço na cintura de Carly e ela segurou sua mão. Na metade da música, outros casais entraram na pista de dança.

— Por que está tão longe? — perguntou André e apertou Carly contra si. — Eu não mordo, sabia? Apesar de que se eu mordesse, talvez realize sua fantasia secreta, né? — ele sorriu.

Carly olhou nos olhos castanho-claro de André. — Tu é muito abusado — disse ela, afastando-o. Ela deu um passo atrás e bateu em Pedro e Liadan. — Desculpa — Carly ruborizou.

André olhou feio para o pai e a madrasta e puxou Carly para longe dos dois.

— Desculpa — falou ele. — Foi só uma brincadeirinha. Porque gosta de vampiros. Por que sempre implica com tudo que eu falo? — perguntou, olhando-a nos olhos, enquanto dançavam. Carly não respondeu, apenas saiu da pista, deixando André sozinho.


[i]E fazem clique sobre mim/ E ninguém se parece com o que vi. Trecho da música “Click”, interpretada por Anahí, Bryan Amadeus e Ale Sergi. Composição: Bryan Amadeus e Ale Sergi.


Laços © Soraya Freire, 2016

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, lugares ou fatos é uma mera coincidência.