Jornal Classe A
Empresário Pedro
Ferreira morre em assalto
Morreu, na última
sexta, o renomado empresário Pedro Ferreira. Filho de LEM, ele era dono da rede
de Lojas Empório MimoSweet e tradicional produtor de soja. Ferreira morreu
depois de ser baleado em um assalto, no qual tentaram roubar seu carro, próximo
ao Condomínio Soya, onde morava.
Segundo relato da
esposa do Sr. Pedro, ele não reagiu, mas os bandidos atiraram, antes de
arrancar com o carro. A sra. Liadan Ferreira gritou por socorro e os vizinhos
ligaram para polícia. O sr. Ferreira foi levado ao Hospital Salvatori, mas não
resistiu.
A polícia está
investigando. O carro foi abandonado na BR que leva a Barreiras, encontrado
horas depois do latrocínio.
O enterro ocorreu
hoje, às 14h, algumas horas após o corpo ter sido liberado do IML de Barreiras.
O cortejo foi acompanhado por familiares e amigos, todos muito comovidos.
O empresário
deixou a atual esposa, Liadan Ferreira e uma filha, Áurea Ferreira. E do
primeiro casamento, com Angélica Camargo, o também empresário André Ferreira e
o diretor de TV, Tiago Ferreira.
Prestamos
condolências à família e afirmamos nosso pesar quanto à violência que assola
nosso município.
André estava sentado no banco do jardim, desde que voltara do cemitério.
Ele lembrava-se da última vez em que falara com o pai, na tarde de quinta. O
filho foi contestar o pai sobre o resultado dos últimos relatórios.
— Tem retiradas muito grandes aqui, Pedro.
— Não são muito grandes, André — disse o sr. Ferreira, sem ao menos
olhar os números. — Apenas um pouco de dinheiro para cobrir as extravagâncias
da sua mãe e da Liadan com o cartão de crédito.
— Isso aqui é mais do que cartão de crédito. E mamãe paga as dívidas
dela, separadas das contas da empresa. Você não paga nada dela — falou André,
olhando para o pai. — Primeiro, foi a história dos fornecedores, agora as
retiradas continuam...
— São retiradas normais...
— Não são, não...
— Desde quando se preocupa com a empresa, Andy? — Pedro sorriu,
parecendo divertir-se.
— Desde quando parece que você
e sua... mulher... estão depredando
meu patrimônio e do meu irmão — falou ele, aborrecido.
— Claro, mexeu no seu dinheiro, né? Você é igualzinho a mim — debochou
Pedro, afastando os papéis.
— Eu não sou igual a você... — falou André, levantando-se.
— É mais parecido comigo do que gostaria, André Pedro...
— Sabe qual vai ser o dia mais feliz da minha vida? Quando não precisar
mais olhar pra essa sua cara debochada — rebateu o filho. — Porque é isso que
você faz. Sapateia em cima das pessoas e ri... Eu te odeio, pai...
Fechando os olhos, enquanto o pensamento girava, André viu de novo os
olhos avelã do pai nos dele. Só não imaginara que seria a última vez...
***
Na cozinha, dona Anita, a avó de André, uma senhora de olhos bondosos,
baixinha e gordinha, fez uma bandeja com sanduíche e suco.
— Se tu não conseguir fazer ele
comer, ninguém vai conseguir — disse ela à Carly, depois de pedir que a moça
levasse a bandeja até André, no jardim. Carly não achava que tinha tanta
influência sobre André, mas desceu até o jardim e sentou-se ao lado do rapaz, à
mesa, à beira da piscina.
— Dona Nita pediu pra trazer um lanche.
— Não tô com fome — disse André, sem olhar para ela.
— Não comeu nada o dia todo — Carly pegou o copo. — Sua vó disse que é
seu preferido, maracujá com limão. Toma um pouquinho, Andy.
André olhou para ela e não conseguiu dizer não para aqueles olhos esverdeados e aquele pedido afável. Ele
tomou um pouco do suco. Seu estômago roncou e ele percebeu que estava, de fato,
com fome. O queijo quente com tomate de sua avó era o melhor de todos e ele
comeu, agradecido.
— Como está minha mãe?
— Tomou um remédio. Está dormindo.
— Tiago?
— Lucy está com ele, no quarto. Não quis comer também.
Eles ficaram em silêncio, por alguns minutos, enquanto André comia, e Carly
sabia que deveria esperar André falar, quando quisesse.
— Eu o vi, na quinta. Nós discutimos de novo — falou André. Carly olhou
para ele. — Meu pai morreu e eu não o perdoei.
— Nunca é tarde pra perdoar, Andy — disse ela. André fitou Carly por uns
segundos. — Por que não sobe e deita um pouco? — sugeriu a moça e André
recusou. — E Andy... — ela olhou-o nos olhos. — Você não chorou ainda.
André desviou o olhar, levantou-se e saiu, com as mãos nos bolsos.
***
Carly nunca estivera no quarto de André antes. Apenas vira uma parte,
uma vez, ao passar pela porta entreaberta. A noite já havia descido, desde que
se falaram, e Carly decidiu ver se ele estava dormindo. A porta estava
entreaberta e ela bateu, mas não houve resposta. Ela resolveu entrar e viu que
o aposento não era muito diferente do quarto de hóspedes, exceto pelas
prateleiras, na parede, cheias de livros, miniaturas de carros e estantes com
aparelhos eletrônicos obsoletos, como um Macintosh e um celular que Carly
lembrava-se de ter visto no seriado Um
maluco no pedaço. Havia ainda pôsteres de filmes, como Avatar, Matrix e X-men.
André saiu do banheiro, enxugando o cabelo, e surpreendeu-se ao ver
Carly. A moça retrocedeu ao ver que ele estava só de toalha.
— Desculpa — disse ela, segurando a porta meio aberta. — Só vim ver
se... deixa pra lá.
— Não, espera — falou André e Carly parou no corredor, de costas para
porta. — Eu me visto... rápido — ele pegou a primeira calça e a primeira blusa
que encontrou no closet e vestiu-se. —
Pronto.
Carly entrou de novo e André percebeu que ela estava vermelha.
— Só vim ver se estava dormindo e... — ela olhou ao redor.
— Bem-vinda à minha base de operações — falou ele, sentando-se na cama. —
Não sei se vou conseguir dormir, mas é normal...
— Deita aí — falou Carly e André olhou para ela. — Vai. Vou cantar pra
tu dormir.
— Acho que já passei da fase de alguém cantar pra eu dormir — falou
André.
Mas ele deitou-se. Carly puxou a cadeira da escrivaninha e sentou-se ao
lado da cama e começou a cantar Espera em
Deus, de Adriana. Ele ficou olhando para ela, até perceber que estava
envergonhando-a, então fechou os olhos.
Não existe
dor
Não existe nada
Que Deus não possa resolver
Aquiete o seu coração
Espere um pouco mais
Não existe solidão
Não existe mágoa
Que Deus não possa curar...[i]
Carly, acanhada, tocou os cabelos de André, enquanto cantava. Ele não abriu os olhos; não sabia explicar se foi o efeito tranquilizador da canção ou da voz de Carly, mas sentiu tudo arrefecer, toda raiva, dor, arrependimento... Entrou lentamente em um torpor e o sono o abraçou.
[i] Trecho da música Espera em Deus, de Adriana Arydes.
Composição: Ítalo Villar
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