Olá, pessoal! Mais um capítulo do meu livro Laços. Se puderem deixar um comentário para eu saber o que acharam, agradeço muito! Se quiserem adquirir um exemplar autografado, me contate em @sorayafreireoficial
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Capítulo Quatro
Um mês depois, Carly sentia ainda mais saudade de Lucy e sabia que esse
sentimento nunca passaria. Mas ela não tinha tempo para se sentir mal. Por mais
que aquela sensação de desânimo e cansaço a fizesse não querer levantar da
cama, Carly tinha que dar aulas. Ia ao Centro de Educação Vagalumes, pela manhã
nas segundas, quartas e sextas, e à tarde nas terças e quintas, para as aulas
de reforço. Começou a escrever duas histórias, mas acabou deixando de lado. Até
pensou em começar outra pós-graduação, em Espanhol agora, mas abandonou a
ideia. Tudo que queria, no tempo livre, era deitar, ler e ouvir música. Tia
Salomé insistia que ela deveria sair mais e arranjar um namorado. Carly
acreditava que um namorado não era o que precisava no momento. Não que ela não
quisesse, mas os rapazes pareciam, em sua maioria, loucos, viciados e
pegadores.
— Cá, um dia seu tio e eu vamos morrer... — falou Salomé.
— Tu vai primeiro — brincou
tio Eli, sem tirar os olhos do telejornal.
— Precisa ter uma família — continuou a mulher.
— Deixa a menina, Sá. Na hora certa, ela vai achar um namorado e vai
casar. Carly precisa de amigos próximos.
— Eu tenho amigos próximos... — falou Carly e seus olhos encontraram os
do tio. Ela aceitou que ele tinha razão. Tinha algumas amigas, mas elas não
eram o que se chamaria de próximas.
— O que acha de André, ahn? — questionou a tia. Carly olhou para ela.
— O que tem ele?
— Ele é um bom rapaz. Por que não investe nessa amizade? E depois, quem
sabe? — tia Salomé sorriu, como se soubesse de um grande segredo.
Carly balançou a cabeça. Ela e André tinham se falado, algumas vezes, no
último mês, e ele a convidou para acompanhá-lo ao Rio de Janeiro. Lucy ia ter
alguns de seus modelos no desfile de primavera-verão da coleção da Wonderful Woman e queria sua irmã com ela.
Foi uma surpresa; tio Eli e tia Salomé não poderiam ir, pois seriam padrinhos
de um casamento.
Vai ao desfile da Lu? — perguntou
André no chat do Facebook.
Não sei. Estou pensando — Carly
respondeu.
Pensando em q? Eh o 1° desfile
dela. Passo aí p/ te pegar. Vou precisar
passar em conquista.
Carly estava na sala do quarto ano. Ela sentou-se e estava fazendo
anotações, enquanto os estudantes copiavam as questões do quadro. Maria Clara,
uma das alunas, aproximou-se da mesa e perguntou se poderia ir ao banheiro.
Carly sorriu, disse que sim e a menina saiu. Carly olhou para os outros e viu
Pedro Henrique em pé ao lado de Jorge. Perguntou a ele se já havia terminado de
copiar.
— Yes, “títi” — falou o garoto, sorrindo.
— Traga seu livro, por favor — Pedro levou o livro para professora. — What is it, Peter?[i]
Não. Vai copiar tudo de novo.
— Não, professora — implorou o menino.
— Tu é muito inteligente e
capaz. Pode fazer melhor do que isso, se quiser. Come on. Só vamos sair daqui, hoje, quando seu livro estiver tão
bom quanto eu sei que pode fazer. Laila, sente no lugar do Pedro, please. Quero ele aqui na frente.
Maria Clara voltou, alguns minutos depois, e anunciou:
— Professora, teu namorado taí
fora.
Houve um “uhmmm” coletivo, enquanto Carly levantava-se e ia para a porta.
Ela murmurou “Eu não tenho namorado” e abriu a porta. André estava parado ali,
com as mãos nos bolsos da calça social preta. Ele disse hi, sorrindo. André observou o uniforme rosa-bebê de Carly e achou
que ela ficava bem de rosa. Os cabelos castanhos, como sempre, desciam
ondulados artificialmente sobre os ombros.
— Hi — ela disse, quando o
sinal tocou. Carly virou-se para turma e dispensou quem já tivesse terminado.
Pedro ficou. As crianças despediram-se de Carly e saíram. A moça convidou André
para entrar e fechou a porta.
— Já tá pronta? — perguntou ele.
— Ahn — Carly não olhou para ele, enquanto guardava tarefas no
classificador e arrumava a mesa. — Mais ou menos.
— Mais ou menos? — estranhou
ele.
Alguém bateu na porta. Carly foi abrir e era um homem alto, de cabelos
bastos, castanhos. Ele estava sério e parecia aborrecido.
— Bom dia, Sr. Aroldo — disse a professora, sorrindo.
— Dia. Por que Pedro Henrique
não desceu?
— Ele fez a atividade muito malfeita e o coloquei para refazer.
O Sr. Aroldo olhou para o filho. Pedro baixou a cabeça e escreveu com
rapidez.
— Vamos conversar em casa — disse o pai. — Nada que um bom corretivo não
resolva.
— Não, Sr. Aroldo — falou a professora, horrorizada. — Bater no Pedro
não vai resolver.
— A senhora não sabe como esse garoto é uma peste.
— Mas surras não resolvem.
— E o que a senhora sabe sobre educar crianças? Não tem filhos — rebateu
o homem.
— Não precisa falar assim com ela — disse André, aproximando-se.
— E quem é você? — perguntou o sr. Aroldo, fuzilando André com o olhar.
— Sou o concunhado da Carly, mas isso não vem ao caso — continuou o
rapaz. — Bater no seu filho não vai resolver nada. Ele precisa de...
— Não venha me ensinar como devo criar meu filho.
— André, por favor — disse Carly, colocando a mão no braço do rapaz. Ele
olhou para ela.
— Aroldo — chamou uma mulher baixa, de cabelos claros, presos em um
coque, chegando à porta da sala. Ela não usava maquiagem e suas vestes eram
pretas e fechadas.
— Falei pra esperar no carro,
Enriqueta — falou o marido, ríspido.
— Estava demorando.
— Demoro o quanto quiser.
A mulher pareceu retrair-se mais. André e Carly entreolharam-se. Pedro
pegou suas coisas, jogou-as na mochila e chegou a Carly, com o livro estendido.
A professora parabenizou-o, sorrindo.
— Está vendo? Ficou bem melhor. Faça a atividade de casa, tá?
— Tá. Valeu — disse Pedro,
enfiando o livro na mochila. A mãe passou o braço pelos ombros dele e os dois
saíram, apressados. Carly observou o pai segui-los pelo corredor.
André pegou a bolsa, os livros e o classificador de Carly, na mesa. Ele
foi para porta, quando ela se virou para buscar os pertences. Carly fez menção
de tomar os livros, mas André recusou, fazendo indicação para seguirem. Ao
descerem e passarem pelo saguão, eles encontraram Natália, tia de André e
diretora do CEV.
— Vão viajar hoje mesmo? — perguntou ela, sorrindo.
— Vamos — disse André.
— Cuida direito da Carly, hein? — Natália passou os braços em torno da
moça. — Ela é uma joia preciosa. E cuidado nessas estradas, filho.
— Eu sei, tia — André sorriu.
— Que Deus os abençoe e façam uma boa viagem.
— Amém — disse Carly.
Ao chegarem ao portão, Carly despediu-se do porteiro e encontrou duas de
suas colegas, Naiana e Taís. Esta desejou “Bom
fim de semana”, enfatizando a primeira palavra, e aquela falou “Divirta-se”.
Carly reparou no sorriso sugestivo delas e ruborizou, balançando a cabeça,
negativamente. O Subaru azul de André
estava parado em frente ao Centro de Educação Vagalumes. Carly lembrava-se de
ter zombado de André por ele fazer questão de frisar que seu carro não era
simplesmente azul — era Azul dos Mares do
Sul. A moça disse que ele era muito metido e que pouco importava de que cor
era seu carrinho de marca. André
abriu a porta da frente para Carly e colocou as coisas dela no banco de trás.
Ela hesitou.
— O que foi? — ele olhou para ela, depois de fechar a porta de trás.
— Tenho que avisar ao tio Eli. Ele vem me buscar — disse ela, para
disfarçar.
— Eu avisei.
A moça olhou para ele e, depois, entrou no carro. André fechou a porta.
— Tá com medo de mim, Carly? —
perguntou ele, olhando para ela, enquanto colocava o cinto. — Vou te levar pra casa. Não se preocupe — André
colocou o celular no suporte e logo o som começou a tocar Don’t Look Back in Anger, do Oasis. Carly ficou quieta, ouvindo.
Ela amava aquela música. — Então não terminou de arrumar as malas — falou André
e apertou o botão de ignição.
— Nem comecei.
— Por quê? — André ficou surpreso.
— Não vou.
André olhou para ela e de volta para frente.
— Tá brincando, né?
— Não, é sério. Não tem como eu ir ao Rio, agora. Segunda, eu tenho
aula.
— Não é possível que você esteja dizendo que não vai ao desfile — André
balançou a cabeça.
— Não dá...
— É o primeiro desfile da sua irmã — falou ele. — Eu vim até aqui te
buscar. Eu comprei as passagens de avião.
— Eu pago, tá?
— A questão não é o dinheiro. Tu disse
que ia. E a consideração com tua irmã?
André parou na frente da casa dela. Era uma construção de dois andares,
pintada de verde-claro. Carly desceu, antes que André abrisse a porta para ela.
Ele pegou os livros dela, no banco traseiro. Carly procurou as chaves na bolsa,
mas não conseguia achar.
— Bom dia, Carly — ela olhou para cima e viu dona Eva espiando do andar
de cima. — Sua tia deixou a chave. Parece que esqueceu no sofá... Posso jogar?
— Obrigada, dona Eva.
Carly aparou a chave e abriu o portão. Abriu a porta da casa, depois de
passarem pela garagem vazia.
— Agora, ela vai falar pra todo mundo que eu cheguei com um homem — murmurou Carly.
André entrou na sala com sofás pretos e um rack mogno que comportava a
TV, um som portátil e um aparelho de DVD. Ele colocou os livros de Carly na
mesa de centro.
— Quer alguma coisa? Água, suco, café... — perguntou ela, indo para
cozinha.
— Não... Quero uma resposta — disse André.
— Não posso faltar ao trabalho.
— Que se dane o trabalho.
— Pra você, que é rico e vai à empresa do papai quando quer... Não dá tempo fazer a mala...
André lembrava-se onde era o quarto das meninas, da última vez que
estivera na casa. Mesmo sabendo que era falta de educação, saiu da cozinha e
pegou o corredor. Carly foi atrás dele. André entrou no quarto de paredes rosas
e azuis. Ele viu a mala sobre a cama de Lucy. Pegou-a e abriu sobre a de Carly.
— O que tá fazendo? — perguntou ela, quando André abriu a porta do
guarda-roupa.
— O problema é arrumar a mala? — ele olhou para moça. — Vou te mostrar
como faz. — O rapaz pegou um monte de roupas dos cabides, jogou na mala e
fechou-a. — Pronto.
— Tu é muito lutrido — disse ela, fuzilando-o com o
olhar.
— Lutrido? — riu-se ele. —
Minha avó fala isso. — André viu os CDs espalhados sobre a cama. — Olha só.
Você ouve algo além da fossa de Céline, Adele e Maysa.
— Ah, é, porque as músicas da Alanis são totalmente alto-astral — disse
Carly, ironicamente, abrindo a mala.
— É fã dela desde quando? — O rapaz sentou-se à escrivaninha e colocou o
CD Flavors of Entanglement no som.
— Fã é uma palavra complicada
de se usar hoje em dia. Mas eu comecei a ouvir Alanis, ano passado — respondeu
Carly, enquanto Citizen of the Planet
tocava.
— Fui ao show dela, em 2012. Foi muito legal. Quais suas músicas
preferidas?
— Ironic, Surrendering, Empathy, You owe me nothing
in return, Hands Clean... Mas a melhor de todas é Incomplete. Gosto de ‘Til you
e In praise of the vunerable man
porque acho parecida com Harry e Gina. E tu?
Carly olhou para André, com um vestido na mão. Ele estava com seu
caderno, lendo. Ela foi até a escrivaninha, furiosa.
— O que está fazendo? — quase gritou. André olhou para ela, surpreso. —
Me dá.
Mas ele foi mais rápido. Levantou-se, segurando o caderno. — Você
escreve fanfics.
— E daí? — Carly tentou pegar o caderno.
— Me amarro nas suas fanfics. Quer dizer, não sabia que era você... — disse ele, devolvendo o
caderno.
— Tu lê fanfics? — perguntou
ela, incrédula. — Nossa, pensei que o Sr. Maduro não fizesse coisas de
adolescente — continuou, irônica.
— Ser maduro não significa deixar de fazer coisas de adolescente. Significa tomar responsabilidade pelas
coisas de adulto que são exigidas de você.
— É a mesma pessoa que me disse que sou imatura quando a gente se
conheceu? — perguntou ela.
— Eu disse isso? — perguntou
ele.
— Disse. Porque eu disse que leio Crepúsculo,
Harry Potter — ela olhou para ele.
— Seu problema é levar muito a sério as besteiras que eu falo.
André sentou-se de novo, enquanto Carly arrumava a mala. Ele ficou
observando-a dobrar agilmente as peças. Na mão esquerda dela, havia uma
aliança. Desde que se conheceram, André pensava em perguntar por que ela usava
a aliança, mas ele achava que tinha a ver com a mãe dela; e talvez Carly não
quisesse falar sobre isso.
— Lyly — falou ele, cauteloso. Carly levantou a cabeça. Lyly? Desde quando André usava apelidos
para falar com ela? E Lyly — ninguém
nunca a chamou assim. — Por que usa essa aliança?
— Ah — ela olhou para mão. — Era da minha mãe.
— Mas como quer arranjar um namorado se usa uma aliança? Todos devem
pensar que é casada.
— Quem disse que quero arranjar um namorado? — perguntou a moça,
voltando à mala.
— Carly? — chamou a voz de tia Salomé.
— No quarto, tia.
Tia Salomé apareceu na porta. Pareceu um pouco reprovadora de encontrar
André no quarto da sobrinha, mas o cumprimentou com um sorriso, logo em
seguida. Perguntou pela família, o trabalho, a viagem.
— Eu vim buscar a Carly. Temos que estar em Salvador, amanhã de manhã.
— Conseguiu convencer essa teimosa? Falei pra ela arrumar a mala, mas
ficou “ah, tia, eu não vou...” Vão pra Salvador de carro, né?
— Sim.
— Vão passar a noite onde?
— No nosso apartamento da capital.
— E vão ficar sozinhos? — tia Salomé não gostou da ideia.
— Não se preocupe, dona Salomé — disse André. — Carly é irmã da Lu, que
agora é minha irmã. Vou cuidar dela como se fosse uma das meninas da minha
família — ele olhou para Carly, que evitou olhar para André e continuou
arrumando as coisas. O rapaz compreendeu, então, o motivo de Carly estar tão
arredia quanto à viagem.
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